A Expressão do Espírito
Uma das características mais marcantes das pinturas de Leonardo Da Vinci são as expressões dos personagens de suas obras. A Monalisa, a mais famosa de todas, é conhecida pelo seu sorriso enigmático e pela expressão de seu olhar, que até hoje incita diversas interpretações no imaginário popular.
Segundo Da Vinci, “um bom pintor tem dois principais objetivos para pintar: o homem e a intenção de sua alma; o primeiro é fácil e o segundo é mais difícil, pois ele tem de representá-lo pelas atitudes e movimentos de seus membros.” Não se trata apenas de representar tecnicamente o jogo de luzes e cores, é preciso ter consciência do sentimento presente no momento e sua repercussão nas mais sutis formas de expressão do corpo humano.
Em seu manuscrito – A Expressão do Espírito, Da Vinci escreve: “as mãos e os braços, em todas as suas ações, devem exibir a intenção da mente que os move, até quanto é possível, porque por meio deles quem tiver um bom julgamento mostrará intenções mentais em todos os seus movimentos.”
A pintura foi a iniciação do mestre renascentista na jornada pela compreensão dos mistérios da vida, pois sua busca incessante em representar a realidade da forma mais fidedigna possível, de modo a eternizá-la, levou Da Vinci a estudar em profundidade todas as formas de manifestação da vida.
De acordo com Fritjof Capra, em seu livro – A Alma de Leonardo Da Vinci, “A associação de graça com movimentos suaves e fluidos era comum entre os artistas da Renascença, mas Leonardo foi o único que tentou compreendê-la cientificamente. Sua mente analítica ficava fascinada pelos movimentos autônomos e voluntários do corpo humano. As investigações deles tornaram um dos grandes temas de sua obra anatômica. Em incontáveis dissecações e detalhados desenhos anatômicos, Leonardo explorou a transmissão das forças que produzem os diversos movimentos do corpo, de suas origens no centro do cérebro, passando pela medula espinhal e os nervos motores periféricos, até os músculos, tendões e ossos.”
No manuscrito – A Vida e a Estrutura das Coisas, Da Vinci justifica a importância do conhecimento em anatomia para representar os movimentos do corpo humano: “o pintor que tem conhecimento da natureza dos tendões, músculos e ligamentos saberá muito bem, no movimento de um membro, quantos e quais tendões são a causa do movimento, e qual músculo, por inchaço, é a causa da contração desse tendão, e quais tendões expandidos na mais delicada cartilagem cercam e seguram o referido músculo.”
Era notório também o conhecimento de Da Vinci sobre os princípios da linguagem corporal. Segundo ele, “o elemento mais importante a se considerar na pintura é que os movimentos de cada figura expressem seu estado mental, tal como desejo, raiva, pena e outros semelhantes”. Em seu manuscrito sobre Fisiologia, ele escreve: “recomendo que você não se sobrecarregue de palavras a menos que esteja falando ao cego, ou se quiser demonstrar aos ouvidos e não aos olhos dos homens, fale de coisas de substância ou da natureza e não se ocupe em fazer entrar pelos ouvidos coisas que têm a ver com os olhos, pois nisto você será, de longe, superado pela obra do pintor.”
A ciência da linguagem corporal foi melhor compreendida a partir dos estudos de Albert Mehrabian, professor de psicologia da Universidade da Califórnia. Em 1950, a partir de diversas pesquisas de campo, ele concluiu que a mensagem na comunicação interpessoal é transferida na seguinte proporção: 7% – Verbal (somente palavras) 38% – Vocal (incluindo tom de voz, velocidade, ritmo, volume e entonação) 55% – Não – verbal (incluindo gestos, expressões faciais, postura e demais informações expressas sem palavras).
Outro segmento de estudo da linguagem corporal, que trata das expressões inatas, foi desenvolvido pelo psicólogo americano Paul Ekman, contemporâneo de Albert Mehrabian, que em sua teoria da universalidade das emoções, concluiu que o ser humano apresenta 7 expressões inatas, a saber: raiva, alegria, tristeza, surpresa, medo, aversão e desprezo. Estas expressões foram identificadas em diferentes culturas e em épocas distintas da história, sendo observadas mesmo em crianças que nasciam cegas e que nunca haviam observado outras pessoas.
Da Vinci entendia que toda pintura deveria ser uma representação fiel da realidade, e, para tal, o artista precisava não só ter um domínio apurado da técnica como também um conhecimento de causa aprofundado do que está sendo representado. Por isso, todas as suas pinturas, além de parecerem vivas por imprimirem as intenções dos personagens, também eram harmoniosas por conjugarem todos os elementos dentro de um fluxo contínuo e dinâmico, conforme ele mesmo escreveu em seu manuscrito sobre Proporção:
“O efeito da bela proporção de um rosto angelical pintado é muito maior, pois essas proporções produzem uma concordância harmoniosa que chega ao olho simultaneamente, assim como um acorde musical afeta o ouvido; e se esta bela harmonia for mostrada ao amante daquela cuja beleza é retratada, ele sem dúvida encantar-se-á de admiração e sentirá uma alegria sem paralelos e superior a todas as outras sensações.”
“O pintor, com suas proporções harmoniosas, faz as partes componentes reagirem simultaneamente de modo que elas possam ser vistas ao mesmo tempo, tanto juntas quanto separadas; juntas, vendo-se o desenho da composição como um todo, e separadamente, vendo-se o desenho de suas partes componentes.”
Da Vinci utilizava a pintura como uma forma de capturar a expressão do espírito das formas vivas, lhes emprestando tamanha precisão e profundidade, que até hoje, ao contemplá-las, somos convidados a sentir o aroma das flores, escutar o canto dos pássaros e reviver um pouco da Florença renascentista.