A Terra Viva
Toda vida começa num sopro, impulso do primeiro movimento que desencadeia todos os processos necessários para sua criação e que se sustentam através de sucessivos ciclos desde o princípio até o fim.
Quando paramos para refletir sobre a origem e a manifestação da vida, percebemos que ela é dinâmica e regida por ciclos, desde a mais ínfima partícula até os grandes conglomerados celestes. Cada ideia ou vida manifestada possui um propósito, que é o seu centro e ponto de equilíbrio, a partir de onde gravitam todos o seus movimentos e realizações.
Esse processo autorregulador, inerente à natureza da vida, sempre foi objeto de estudo de grandes homens da ciência, e o fundamento da Hipótese de Gaia, teoria defendida desde 1972 pelo investigador britânico James Lovelock, entende a Terra como um organismo vivo, auto-organizado e autorregulado.
Apesar de ser uma teoria precursora até para a época, a Hipótese de Gaia já fazia parte dos estudos e observações de Leonardo Da Vinci, que concebia a Terra como um corpo vivo, dotado de padrões e processos comuns a todos os sistemas orgânicos, constantemente moldado e modificado ao longo do tempo.
Para Da Vinci, o incessante movimento dos fenômenos naturais promoviam a transformação e garantiam o equilíbrio e a manutenção da vida:
“Assim como o calor natural, espalhado pelos membros do corpo humano, é afastado pelo frio circundante, seu oponente e inimigo, e flui de volta aos lagos do coração e do fígado, lá se fortificando, fazendo deles sua fortaleza e defesa, também as nuvens, sendo compostas de calor e umidade, e no verão de certos vapores secos, e encontrando-se na região fria e seca, agem do mesmo modo que algumas flores e folhas que, afetadas pela geada e pelo frio, oferecem maior resistência.”
Segundo Fritjof Capra, em seu livro “A Alma de Leonardo Da Vinci”, Leonardo conclui, a partir destas e outras observações, que a Terra deve ser dotada de uma força vital ou alma, a qual engendra formas e processos similares aos do corpo humano:
“Podemos, pois, dizer que a Terra possui uma força vital de crescimento e que sua carne é o solo; seus ossos são os estratos sucessivos de rochas que formam as montanhas; sua cartilagem é a pedra porosa; seu sangue é a rede de veias de água. O lago de sangue em volta do coração é o oceano. Sua respiração é o aumento e a diminuição do sangue nos pulsos, assim como, na Terra, é a subida e a descida das marés.”
A partir destas constatações, Da Vinci empreendeu diversos estudos sobre a formação das montanhas com o objetivo de entender melhor quais eram os fenômenos que regiam a transformação da Terra ao longo do tempo. Muitos deles partem da simples observação da natureza como uma gota de orvalho, que lhe inspirou a construir um modelo geométrico para a Terra:
“Uma gota de orvalho, perfeitamente redonda, nos oferece a oportunidade de considerar (…) como a esfera aquosa contém em si o corpo da terra sem que a esfericidade de sua superfície seja destruída. Se tomarmos um cubo de chumbo do tamanho de um grão de painço e, por meio de um fio muito fino a ele ligado, o mergulharmos na gota, veremos que esta não perderá sua esfericidade original, embora tenha sido aumentada por uma quantidade igual ao tamanho do cubo nela introduzido.”
A compreensão de Da Vinci de que os padrões se repetem na natureza, do micro ao macrocosmos, lhe ajudou a formular uma teoria tectônica que precede em alguns séculos a concepção de que a formação das montanhas é uma consequência do deslocamento das placas terrestres. Para fundamentar a sua teoria, Leonardo ainda defende que a Terra teria um centro geométrico, o qual chamou de “centro do mundo”, mas que esse não estaria necessariamente alinhado com o seu centro de gravidade:
“Grande parte da abóbada do vasto espaço da Terra preenchido com água, ou seja, da imensa caverna, desabou em direção ao centro do mundo e foi deslocada pelos cursos de água subterrâneos que continuamente desgastam o lugar por onde passam (…). A grande massa ruiu (…) tornando a Terra mais leve naquele ponto; a seguir, essa parte da Terra imediatamente se deslocou do centro do mundo e se elevou à altura onde vemos camadas de rochas produzidas pela ação ordenada das águas, nos picos das montanhas.”
Segundo Fritjof Capra, na visão de Leonardo, a água molda continuamente as formas da Terra e, assim, a erosão seria a causa de maior distribuição desigual da massa nos dois hemisférios, o que explicaria também a elevação das montanhas ao longo do tempo. Como organismo vivo, a Terra se moveria naturalmente em direção a um estado de equilíbrio e se esforçaria para aproximar seu centro de gravidade de seu centro geométrico.
![Geóide da Terra](http://leonardodavinci.cc/wp-content/uploads/2016/02/geoide-300x279.jpeg)
Geóide da Terra
Este modelo pensado por Leonardo vem ao encontro de um mapeamento realizado desde 2009 pelo GOCE (Centro de Exploração da Circulação Oceânica) e pela Agência Espacial Européia, que representa como seria a Terra, se levássemos em consideração seu campo gravitacional existente (2). Como a gravidade seria diferente em cada um dos pontos da Terra, seu centro de gravidade não seria o mesmo que o centro geométrico, corroborando o modelo proposto por Da Vinci.
Como, segundo Da Vinci, o centro geométrico estaria sempre buscando o centro de gravidade, isso poderia influenciar algumas transformações pelas quais o planeta passa, nesta busca constante pelo seu ponto de equilíbrio. O mesmo se passaria com o ser humano, onde o seu centro de gravidade (emoções e sentimentos), estaria ligeiramente deslocado do centro do ser (ponto de equilíbrio), e como propósito de alinhar os dois centros, passaríamos pelas constantes transformações em nosso ser, necessárias para nosso crescimento e evolução.
O vídeo a seguir apresenta um modelo hipotético apresentado por James Lovelock, Mundo das Margaridas, onde ele demonstra como funcionaria a compensação de calor ou frio para a autorregulação do referente planeta, como forma de ilustrar o que aconteceria com a Terra, na Hipótese de Gaia, claro, considerando algumas milhares de variáveis a mais:
“Toda gravidade pesa através da linha central do universo porque é atraída a esse centro, de todas as partes.”
Leonardo Da Vinci
Anotações de manuscritos -
1 Percurso do Rio Arno
Royal Collection, Windsor
Leonardo Da Vinci
2 Geóide da Terra
GOCE, 2009