Cartografia do Mundo
Alguma semelhança entre as imagens acima? Ímola, pequena cidade ao norte da Itália, fundada em 82A.C., já foi palco de grandes disputas por poder, e um dos paradeiros de Leonardo Da Vinci, que no inverno de 1502, aos cinquenta anos de idade, fez um mapa da cidade encomendado pelo então general Cesar Borgia.
Estamos falando de 514 anos atrás, onde sequer havia qualquer tipo de tecnologia ou recurso que permitia a visão aérea de uma região, no entanto, Da Vinci mais uma vez nos surpreende e desenha um mapa da cidade de Ímola¹ com tamanha acuracidade, que lhe rendeu, na época, o título de engenheiro militar e arquiteto de Cesar Borgia.
Segundo Fritjof Capra, em seu livro A Alma de Leonardo Da Vinci, “Ele empregava técnicas cartográficas que superavam qualquer coisa tentada pelos cartógrafos medievais e renascentistas. Seus mapas muitas vezes mostram distâncias baseadas em cuidadosas leituras odométricas, obtidas graças a instrumentos engenhosos construídos por ele mesmo.”
A comparação entre o mapa construído por Da Vinci em 1502 e a imagem de satélite do Google Earth mostram a notável precisão a qual o mestre renascentista chegou utilizando seus poderes de observação e sua apurada técnica de desenho. Outro registro tão impressionante quanto Ímola foi o do Vale de Chiana, mostrando as cidades de Arezzo, Perúgia, Cortona e Siena.
Neste mapa², Da Vinci explora a região com ricos detalhes que vão desde os cursos dos rios até a fascinante topologia do vale, representada pelos povoados e construções em seu ambiente natural. Segundo Fritjof Capra, “como servissem de material de apoio para estratégias militares ou projetos de engenharia hidráulica, os mapas de Leonardo tinham quase sempre de ser bastante exatos e minuciosos“.
Apesar da cartografia ser muito antiga (o registro histórico de mapas e rotas hoje são encontrados em placas de argila sumérias e em papiros egípcios), foi depois das navegações de 1500 que começaram a surgir os primeiros mapas mais aproximados da realidade, devido às observações dos exploradores europeus das novas terras.
Nesta época Da Vinci já ensaiava novas técnicas de projeção cartográfica e muitos dos seus estudos de geometria apresentam esboços numa tentativa de entender as projeções do globo terrestre, numa época em que a igreja católica ainda defendia a visão de uma terra plana. Este estudo³, em especial, apresenta representações de diferentes pesquisadores ao longo da história, desde a antiga Grécia, passando por contemporâneos de Da Vinci até estudos mais recentes, do século XX.
A partir de suas observações, Leonardo propôs uma nova forma de representar o globo terrestre, dividindo uma esfera em oito partes, o que consideraria a curvatura do globo na disposição dos continentes. A partir deste modelo (4), percursor para sua época, propôs o que seria um dos primeiros Mapa Mundi, apresentando de forma irregular, mas bastante aproximada, a posição de continentes, oceanos e da própria Antártida.
Este estudo atualmente pertence a Biblioteca Real do Castelo de Windsor, e nos mostra a capacidade notável de Da Vinci em preceder em pelo menos dois séculos, as técnicas e constatações cartográficas. Christopher W. Tyler, pesquisador da Cidade Universitária de Londres, realizou um estudo aprofundado sobre o Mapa Mundi de Da Vinci que pode ser acessado aqui.
Nunca saberemos a precisão de tais informações, mas é um fato que as observações e as constatações de Da Vinci são surpreendentes até para os dias atuais, mesmo com toda tecnologia e informação que temos à nossa disposição. A sua visão integrada do mundo nos mostra uma capacidade pouco desenvolvida nos tempos atuais, onde o conhecimento raso das coisas não nos permite elaborar um pensamento antes de pesquisar uma resposta pronta no Google.
A incrível capacidade de Da Vinci de compreender o funcionamento das coisas a partir de sua observação remete ao ensinamento do antigo filósofo Platão, discípulo de Sócrates, que dizia que o conhecimento de todas as coisas era algo inerente ao ser humano, por ele ser filho da própria natureza, mas que estaria adormecido no ser, de forma latente. A própria física quântica já reconhece que, todos nós estamos de alguma forma estamos ligados a tudo, ideia que é defendida pela teoria das cordas. Não teria, Leonardo Da Vinci, despertado esse conhecimento latente em si, e de alguma forma, decifrado os códigos que o conectam, enquanto filho da natureza aos mistérios da criação?
“Conhecer o passado e a superfície da Terra é ornar e nutrir a mente humana.”
Leonardo Da Vinci
Anotações de manuscritos -
1 Mapa de Ímola
44 x 60,2 cm, 1502, Royal Library, Windsor
Leonardo Da Vinci
2 Mapa do Vale de Chiana
33,8 x 48,8 cm, 1502, Royal Library, Windsor
Leonardo Da Vinci
3 Anotações cartográficas
Codex Atlanticus, 1478-1519
Leonardo Da Vinci
4 Mapa Mundi de Leonardo
1508, Royal Library, Windsor
Leonardo Da Vinci