Movimento Perpétuo
“Calor e frio causam o movimento dos elementos. Nenhum elemento tem, por si, peso ou leveza. O movimento origina-se do fato de que o que é mais fino não pode resistir nem suportar o que é mais denso.”
É com este enunciado que Leonardo Da Vinci inicia os estudos sobre o peso em seu livro de mecânica teórica. Precedendo em pelo menos três séculos as bases da termodinâmica, ramo da física que estuda os efeitos de mudanças na temperatura, pressão e volume, Da Vinci já havia, pela observação, constatado a evidência destes fenômenos na natureza.
“A leveza nasce do peso e o peso da leveza; e, ao mesmo tempo, eles geram um ao outro, pagando, no mesmo instante, a dádiva de sua criação; eles crescem em poder como crescem em vida, e têm mais vida à medida que tem mais movimento; e destroem-se mutuamente no mesmo instante da briga comum por sua morte.”
De forma poética, Da Vinci analisa como o peso e a leveza se compensam, numa linda exposição de sua visão integrada das coisas, como exposto no princípio da Arte/Scienza, que demonstra a técnica utilizada pelo mestre renascentista ao expressar a razão e a emoção, a lógica e a abstração, a arte e a ciência em todos os seus estudos.
Um dos seus projetos mais controversos foi sobre o movimento perpétuo¹, motivo deste post, em que ele analisa a possibilidade da criação de uma máquina capaz de gerar energia de forma contínua e perpétua, apenas com um movimento inicial de um agente externo.
Um moto-contínuo, como também é conhecido, sempre foi e continua sendo o Santo Graal da Física, pois a sua hipotética realização significaria a descoberta de uma fonte de energia livre e inesgotável, também uma das ambições de Nicola Tesla, inventor austríaco que descobriu em meados de 1882 o campo magnético rotativo, base de todos os dispositivos que hoje utilizam correntes alternadas.
Mas a máquina de movimento perpétuo de Da Vinci, apesar de bem intencionada, viola a segunda lei da termodinâmica, que diz ser impossível a construção de um dispositivo que, por si só, isto é, sem intervenção do meio exterior, consiga transformar integralmente em trabalho o calor absorvido de uma fonte a uma dada temperatura uniforme.
Em outras palavras, uma máquina não pode gerar mais energia do que consome, pois como o próprio Da Vinci constatou em suas observações, calor e frio causam o movimento dos elementos, ou seja, a transferência de temperatura entre os corpos é que gera a energia necessária para colocá-lo em movimento, como fundamenta a primeira lei da termodinâmica que trata da conservação de energia. Em suma, por maior que fosse o movimento inicial gerado, o próprio atrito retardaria a energia conservada e apenas a ação contínua de um agente externo poderia manter o corpo em movimento, como demonstra este vídeo do TED-Ed:
Apesar de moto-contínuos serem teoricamente impossíveis de serem construídos, a intenção de mentes visionárias como a de Leonardo Da Vinci mostra a capacidade de abstração e realização que o ser humano possui quando não se condiciona às convenções sociais. Todas as grandes descobertas da história foram realizadas por mentes disruptivas que buscavam descobrir o que existia para além das fronteiras do pensamento, pois, como já dizia o filósofo grego Platão, pelo fato de sermos filhos de deuses, também temos a capacidade de criar e dar vida para as coisas.
Reidar Finsrud, artista noruêgues, é uma dessas mentes, que, mesmo contrariando as leis da física, criou a sua própria “máquina de movimento perpétuo”, como apresentada no documentário a seguir:
“O movimento é um acidente criado por desigualdade de peso e força.”
Leonardo Da Vinci
Anotações de manuscritos -
1 Estudos sobre o movimento perpétuo
Foster Codex, Volume II-2, 91v, 1495-97
Museu Victoria e Albert, Reino Unido
Leonardo Da Vinci
2 Reprodução da máquina de movimento perpétuo
Marvelous Inventions of Leonardo Da Vinci