Gran Cavallo
Em meados de 1482, Ludovico Sforza, então duque de Milão, propôs a Leonardo Da Vinci o desafio de construir um monumento equestre em homenagem a seu antecessor, Francesco Sforza.
Apesar de a arte da escultura nunca ter sido a preferida por Da Vinci, ele aceitou a encomenda como uma oportunidade de colocar em prática anos de estudos e observações sobre o movimento e expressão dos corpos, uma das ciências que o mais fascinava.
A sua admiração pela arte da pintura fica evidente em sua análise comparativa entre a pintura e escultura em seus manuscritos:
“A pintura requer mais pensamento e habilidade e é uma arte mais maravilhosa que a escultura, porque a mente do pintor deve, necessariamente, entrar na mente da natureza para agir como intéprete entre a natureza e a arte.”
Para justificar seu ponto de vista, Da Vinci busca uma perspectiva ainda mais analítica, mas não menos poética:
“…uma estátua depende de certas luzes, especificamente aquelas que vêm de cima, enquanto que uma pintura leva suas próprias luzes e sombras com ela para qualquer lugar.”
E finaliza seu estudo como num veredicto da supremacia da pintura pela escultura:
“A única vantagem da escultura sobre a pintura é que ela é mais resistente ao tempo…a pintura é mais bonita, mais imaginativa e mais rica em recursos, enquanto a escultura é mais duradoura, mas não supera a pintura em nada mais.“
No entanto, o projeto do cavalo de Sforza ia muito além da escultura em si. Após a encomenda de Ludovico, Da Vinci passou a observar e analisar os cavalos dos estábulos do castelo e registrou, em diversos manuscritos, diferentes movimentos do animal no intuito que compreender a centelha de vida que vibrava naqueles corpos e que promovia expressões tão intensas.
Em um de seus manuscritos, ele analisou o impulso de vida residente em cada movimento de um ser vivo:
“O movimento espiritual, fluindo pelos membros dos animais sencientes, alarga seus músculos. Assim alargados, eles se encurtam e repuxam os tendões a que estão presos. Eis a origem da força nos membros humanos. O movimento material brota do imaterial.”
Para representar seu modelo da forma mais genuína possível, Leonardo também recorria aos seus aprendizados de matemática e física e buscava, através da proporção numérica, a perfeita razão entre a forma e a expressão.
Foram mais de 20 anos de dedicação até que Da Vinci tivesse o primeiro modelo do monumento equestre, tempo que foi divido entre diversas outras obras como a Virgem dos Rochedos e a Última Ceia, projetos de armamento bélico encomendados pelo próprio duque, além de uma série de estudos e pinturas de nobres da realeza.
O modelo de argila do cavalo de Sforza foi finalizado em 1492 e tinha aproximadamente 7 metros de altura, e, pela sua imponência perante os demais monumentos existentes na época, ficou conhecido como o “Gran Cavallo“.
Mas, para transformar este molde de argila em uma estátua de bronze, Da Vinci projetou diversos mecanismos para fundir o bronze a partir do molde e suspender as peças de forma que pudessem compor o monumento, como desmonstrado no documentário a seguir, realizado pelo Discovery Channel:
Apesar de Da Vinci ter conseguido reunir quase 80 toneladas de bronze para a construção de seu monumento equestre, em meados de 1494, ameaçado pela invasão de tropas francesas, Ludovico teve de utilizar todo o bronze para para fabricar canhões, o que inviabilizou a construção do que seria o maior monumento da história renascentista.
Se não fosse suficiente, em 1499, após a invasão das tropas francesas ao castelo dos Sforza, o modelo de argila de Leonardo acabou sendo utilizado como alvo para praticar tiro, pondo fim ao glorioso monumento de Leonardo, que, após o incidente, fugiu para Veneza, onde foi empregado como arquiteto e engenheiro militar.
O tempo passou e séculos depois a história do monumento de Leonardo virou matéria na National Geographic de 1977, quando o piloto aposentado, Charles C. Dent, artista e colecionador de arte, comovido com o relato, resolveu criar um instituto para angariar fundos para a construção do projeto de Da Vinci.
Como forma de agradecimento e reconhecimento a todo legado cultural e artístico deixado pelo período do renascimento, o americano dedicou seus anos seguintes a viabilizar o projeto de Leonardo e conseguiu doações de entusiastas e admiradores de Da Vinci por todo o país.
Mesmo com a morte de Dent em 1994, o projeto seguiu em frente e com o apoio de Frederik Meijer, bilionário americano, foram criadas duas estátuas, em tamanho original, de aproximadamente 7 metros de altura cada.
A primeira delas foi doada para Milão, na Itália, e inaugurada exatamente 500 anos depois da destruição do modelo original de argila, celebrando este magnífico legado artístico e cultural deixado por Da Vinci.
O segundo modelo foi instalado no Meijer’s Garden, em Michigan, nos Estados Unidos, e outras duas réplicas foram criadas, uma de 3,6 metros de altura, que foi instalada na cidade natal de Charles C. Dent, e uma segunda, de 2,4 metros de altura, na cidade natal de Da Vinci, em Vinci, na Itália.