Ciência das Formas Vivas
“A natureza é tão abundante em suas variações que, entre árvores da mesma espécie, não seria encontrada uma que se parecesse totalmente com outra, e não só plantas como um todo, mas entre galhos, folhas e frutos não se encontrará um que seja exatamente como o outro.”
O estudo mais aprimorado da botânica surgiu na antiga Grécia e era conhecido como “história natural”, mas se resumia apenas no relato das espécies vivas, sem se aprofundar em questões relacionadas a sua origem, crescimento e influências no ecossistema, o que Leonardo buscou com muito esmero em suas observações.
Segundo Fritjof Capra, em sua obra, “A Alma de Leonardo Da Vinci”, dentre os pesquisadores gregos do assunto, o que mais se destacou na época foi o médico Dioscórides, que deixou como legado uma compilação de seiscentas espécies de plantas aromáticas, alimentícias e medicinais, herança que influenciou os séculos seguintes e que transformou a botânica em um ramo secundário da medicina, forma como era estudada ainda na Renascença.
Enquanto os contemporâneos de Da Vinci produziam releituras dos clássicos gregos no estudo das propriedades terapêuticas das plantas, Leonardo buscava na observação da própria natureza recursos para compreender os processos de crescimento e comportamento das formas vivas, a fim de representá-las da forma mais fiel possível em suas pinturas.
Conforme comentou Fritjof Capra, em seu estudo sobre a botânica de Da Vinci na obra de A Virgem dos Rochedos, “as plantas luxuriantes que enchem a gruta rochosa não estão espalhadas pelo quadro num padrão decorativo, mas são mostradas crescendo apenas em lugares onde o arenito desgastado se decompôs suficientemente para permitir que suas raízes se fixassem”.
O empenho de Da Vinci em entender o princípio e funcionamento das coisas antes de representá-las atribuía coerência, harmonia e beleza em todas as suas representações. Isso porque a Ética (do grego ethos: bom caráter) e a Estética (do grego aisthésis: percepção) são conceitos que, segundo os gregos, deveriam viver comungados. Quando a estética (beleza) representa a ética (verdade), o coração e a mente entram em uníssono, e Da Vinci sabia muito bem como conduzir isso.
A curiosidade de Leonardo no estudo das plantas o levou a questionar processos sobre o seu desenvolvimento e a empreender estudos avançados que séculos depois foram reconhecidos como precursores nos dois principais ramos atuais da botânica, a morfologia e a fisiologia vegetal.
Nos estudos de morfologia, Da Vinci se deteve nos padrões de crescimento e ramificação de flores e árvores:
“Uma folha sempre volta seu lado de cima para o céu, para melhor receber, em toda a sua superfície, o orvalho que cai delicadamente da atmosfera, e essas folhas são distribuídas de forma alternada, para que o ar e o Sol possam penetrar entre elas.”
E sua mente perspicaz sempre buscava aspectos equivalentes nos fenômenos naturais que auxiliassem a compreender o padrão existente nas formas vivas:
“Todos os galhos das árvores em todo o estágio de sua altura, são iguais à espessura de seu tronco. Todas as ramificações das águas em todo o estágio de seu curso, sendo de igual movimento, são iguais ao tamanho de seu regato-mãe.”
Na fisiologia, aprofundou suas observações nos processos metabólicos, em especial, nos mecanismos responsáveis pela nutrição das plantas no transporte da “seiva vital”. Enquanto seus contemporâneos acreditavam que as plantas ingeriam terra para aumentar sua massa, Da Vinci produzia experimentos com plantas suspensas apenas na água, constatando que sua massa era formada basicamente de água e ar, evidência reconhecida mais tarde pelo processo de fotossíntese.
Da Vinci também foi o primeiro estudioso a reconhecer a idade das plantas a partir da análise de seus anéis transversais, demonstrando uma apurada percepção na interpretação dos processos naturais:
“Os anéis do corte transversal do galho de uma árvore mostram o número de seus anos, e a maior ou menor largura desses anéis mostra quais anos foram mais úmidos e quais mais secos.”
Apesar do elaborado método utilizado em seus estudos de campo e da propriedade científica de suas observações, Da Vinci finaliza seu ensaio sobre botânica com este modesto pensamento:
“Embora não tenha a menor importância para a pintura, mesmo assim quero descrever aqui para omitir o mínimo possível do que sei a respeito das árvores.”
Carola Becker, fotógrafa alemã, capturou com sua lente um belíssimo ensaio fotográfico sobre a beleza das folhas das árvores caídas no outono. As suas fotos nos ajudam a compreender o fascínio de Da Vinci quando ele diz que a natureza é maravilhosamente abundante:
Vivemos atualmente em uma cultura tão condicional que, se não tivermos um ganho imediato em algo, dificilmente dedicaremos nossa atenção e interesse. Da Vinci, à sua época, nos mostra que o maior ganho que podemos ter é justamente desenvolver o interesse genuíno pelos pequenos “milagres” da vida. Como o ser humano nada cria e tudo transforma a partir da natureza, contemplar a sua beleza e compreender seu funcionamento podem ser uma das chaves para termos uma compreensão mais profunda sobre a vida e sobre nós mesmos.
Louie Schwartzberg, diretor de cinema norte-americano, é um dos pioneiros na captura de imagens em time-lapse (câmera lenta) e utiliza toda sua arte para captar o crescimento de plantas e o desabrochar de flores em toda sua plenitude. O seu interesse genuíno pelos pequenos milagres da vida pode ser percebido neste lindo e encantador registro sobre o processo de polinização das flores:
Que possamos nos permitir olhar para a vida como uma criança, que se encanta por cada nova pequena descoberta.
“O Sol dá espírito e vida às plantas e a terra nutre-as com umidade.”
Leonardo Da Vinci
Anotações de manuscritos -
1 Esboço de Mirtilo
Royal Collection, Windsor, 1506
Leonardo Da Vinci