Sensus Communis
O que faz o homem questionar-se a respeito das coisas? Para onde vão as ideias? De onde surgem os pensamentos? Essas foram algumas das perguntas que levaram Da Vinci a buscar o sensus communis, a sede do julgamento. “O sensus communis é ativado pelo órgão da percepção (impressiva), situado a meio caminho entre este e os sentidos.” Segundo o renomado pesquisador Michael Gelb, a percepção é capacidade de potencializar os sentidos de forma integrada, elevando o nível de consciência humana, o que Da Vinci fazia muito bem. Em seus estudos, o mestre coloca a percepção como uma ponte de acesso ao sensus communis, e complementa: “…as imagens das coisas ao redor são transmitidas aos sentidos que as trasmite ao órgão da percepção, e este por sua vez ao sensus communis, e por ele são impressas na memória onde permanecem enquanto forem lembradas…“. Para Da Vinci, os sentidos eram os ministros da alma, e todo ser humano podia através deles, ativar a percepção e alcançar a sede do julgamento.
O sensus communis tem ainda o papel de animar o corpo: “…a articulação dos ossos obedece ao nervo, e o nervo ao músculo, e o músculo ao tendão, e o tendão ao sensus communis que é a sede da alma, sendo a memória o seu monitor…“. O estudo associativo que Leonardo traz em seus tratados também é experimentado aqui, quando ele busca compreender o a essência da alma, e correlaciona todos os processos que levam do ato até seu ponto de origem.
Como para ele toda e qualquer causa tinha que ter por base a constatação, buscou em seus estudos de anatomia onde estaria situado o sensus communis. Num dos estudos¹ (imagem deste post), encontramos uma caveira seccionada ao centro, onde ele relaciona o ponto de intersecção das duas linhas ao ponto de localização do sensus communis. Com incrível exatidão, ele chega ao mesmo local onde está situada a glândula pineal, hoje considerada pela ciência como um órgão de funções transcendentes. René Descartes (século XVII) havia sido o primeiro, até Leonardo, a situar a glândula como sede da alma humana. Este mesmo órgão é relacionado pelos hindus ao terceiro olho, pelos tibetanos como um centro de projeção da consciência cósmica e pelos egípcios como o olho de hórus, ou aquele que concedia aos iniciados a faculdade da clarividência.
Talvez esta seja uma das chaves de interpretação simbólica da genialidade de Leonardo, sua capacidade de enxergar todas as coisas em profundidade e de uma forma comum, de perceber a alma dos seres e se conectar à sua causa primeira, de desconstruir os processos e compreender que toda parte tem a predisposição de unir-se ao todo, e entender os códigos que remontam a natureza da forma como a percebemos.
“Os nervos com seus músculos servem aos tendões assim como os soldados servem a um líder; e os tendões servem ao sensus communis como os líderes a um capitão; e o sensus communis serve à alma, como um capitão serve ao seu senhor.”
Leonardo Da Vinci
Anotações de manuscritos -
1 Caveira seccionada
The Royal Collection, 1489
Leonardo Da Vinci
2 Estudos sobre o cérebro
Leonardo Da Vinci