A relação do ser humano com os sentidos, sempre foi tema de profundo estudo por parte de grandes filósofos da história. Platão, por exemplo, em sua teoria da ideia, falava da existência de dois planos, o arquetípico e o sensorial.
A dimensão dos arquétipos seria o berço das ideias, relativo às aspirações da alma, e por isso era permanente, puro e uno. Já a dimensão dos sentidos, por ser um reflexo das ideias, era instável, efêmero e dual. A percepção, neste sentido, seria a capacidade de trazer as ideias do plano arquetípico para o sensorial, através do uso da imaginação. Desta forma, teríamos a percepção como um canal de acesso a ideias que escapam à nossa própria razão.
Aristóteles, discípulo de Platão, que tinha uma filosofia menos metafísica, defendia que o conhecimento tinha princípio nos sentidos, pois é através deles que temos nosso primeiro contato com o mundo. Para ele, toda definição científica partia de uma conhecimento que pudesse ser concebido pela razão. Já para os hindus, segundo fragmento do Livro dos Preceitos de Ouro, “…se queres chegar ao vale da felicidade, fecha, discípulo, os teus sentidos à grande e cruel heresia da separação…“. Podemos relacionar este trecho, resgatado pela teósofa russa HPB, com a instabilidade do plano sensorial na teoria da ideia de Platão, onde a grande heresia da separatividade seria o reflexo das ideias, e por ser efêmeras que podem ser perigosas. Fechar os sentidos a isso é não se identificar com o efêmero e buscar a causa nas ideias através da percepção.
Para Leonardo Da Vinci, no entanto, os sentidos eram fundamentais como ponto de partida para compreender o mundo. Ele acreditava que todo conhecimento tinha origem em nossas percepções, e o princípio de Sensazione, como descrito no livro Aprenda a Pensar como Leonardo Da Vinci, nos incentiva a enriquecer nossas experiências, intensificando e refinando nossos sentidos. Não se trata apenas de “ver”, mas de “enxergar”; não apenas “ouvir”, mas “escutar”; não apenas “tocar”, mas “sentir profundamente”.
Leonardo buscava integrar todos os sentidos para ampliar os horizontes de suas experiências. Ele entendia que a percepção, quando aprimorada, poderia revelar verdades profundas sobre o mundo, permitindo-nos chegar até o princípio das causas. Sua abordagem era caracterizada pela curiosidade insaciável e pela atenção aos detalhes que outros poderiam ignorar. Ele usava sua percepção não como um fim em si, mas como uma ferramenta para explorar os mistérios da natureza e da vida.

Na imagem deste post¹, temos um estudo do gênio renascentista sobre a anatomia do feto dentro do útero da mãe. A geração da vida era um dos eventos que o fascinava, e ele utilizava sua percepção como uma ponte para se aproximar dos mistérios naturais. Seus tratados de anatomia trazem estudos extremamente detalhados sobre proporção e forma. Nesse caso específico, Da Vinci analisa a posição do feto dentro da mãe, e seus apontamentos alcançam uma precisão que hoje compete com as medições feitas pelos mais avançados aparelhos tecnológicos.
O mesmo pode ser dito sobre seus estudos do movimento das asas dos pássaros, que só recentemente puderam ser confirmados com câmeras de alta velocidade. Esses exemplos demonstram que nosso conhecimento é proporcional à nossa capacidade de perceber o mundo ao nosso redor.
“Os sentidos são da terra. A razão existe à parte, em contemplação.”
Leonardo Da Vinci
Anotações de manuscritos
1 Estudo sobre o feto no útero
Royal Collection (RLW), RL 19102r
Leonardo Da Vinci
* Podcast deste post foi gerado com o Notebook LM.
Excelentes ponderações, acredito que há muito mais sobre a figura vitruviana de Leonardo… estudamos a questão na Escola Gurdjieff da Augusta.