Substância Primordial

A água é um dos temas mais abordados nos manuscritos de Leonardo Da Vinci. Ele explora os comportamentos, movimentos e humores dessa fantástica substância, que como sabemos, é responsável por mais de 70% da composição elemental do corpo humano.

A sua fascinação era tamanha, que dedicou folhas e mais folhas de seu diário buscando compreender um pouco melhor este elemento, que como ele mesmo coloca, é o condutor da natureza.

Em uma das passagens de seu tratado sobre a água, Da Vinci comenta: “…o calor coloca a água em movimento, o frio a congela e a imobilidade a corrompe. Ela é a expansão e o humor de todos os corpos vitais. Sem ela, nada retém sua forma…ela assume todo odor, cor e sabor, e sozinha nada tem.” Percebemos nestes trechos a relação complementar que a água tem com outros elementos, e como ela se conjuga com seu meio de forma a assumir o comportamento ambiente. Para Tales de Mileto, filósofo pré-socrático, “a água é o princípio de todas as coisas”. Ideia que reforça este conceito, pois nada existe de forma absoluta, como já dizia Anaxágoras, seu discípulo. Em “Jogos de Maya”, a filósofa Délia Steinberg Gúzman fala da relação complementar da água com o ar, das brisas que dão forma ao sutil movimento das ondas às ventanias que dão início à terríveis tempestades.

O poder de criação e destruição da água é outro assunto que desperta muito interesse em Da Vinci. Alguns de seus esboços sobre a natureza retratam o comportamento caótico da água em tempestades e no próprio dilúvio, outro tema que muito instiga o mestre. Sobre o dilúvio, ele questiona o fato pelo qual este tenha ocorrido na época de Noé: “…já que as coisas são muito mais antigas que as letras, não devemos admirar-nos de que em nossos dias não exista registro de como estes mares tomaram tantas nações”.

Da Vinci também fala das ondas e a respeito disso, explora em muitos esboços o movimento que promove a água em cada situação. Na imagem¹ deste post, temos um dos seus estudos sobre os movimentos da água através de obstáculos. Para o mestre,“uma onda nunca vem sozinha, mas em companhia de tantas outras ondas quantas forem as desigualdades nas margens em que ela é produzida”.

Como não podia faltar, Da Vinci ainda compara o movimento da água com o dos cachos de cabelo, que segundo ele, teriam dois movimentos: “um depende do peso do cabelo e o outro, da direção do cacheado; assim, a água forma pequenas ondas rotatórias, uma parte seguindo o ímpeto da corrente principal e a outra seguindo o movimento incidental e o fluxo de retorno.” Para além destas ideias, o mestre de forma muito precisa ainda explora outros tantos comportamentos desta surpreendente substância primordial.

Estudos mais recentes sobre a água também demonstram algumas características bastante peculiares, como o fato desta substância reter uma espécie de memória a partir de qualquer elemento que ela mantenha contato, criando uma identidade única que carrega essa informação por onde ela passa.

“A água, que é o humor vital da máquina terrestre, move-se por seu próprio calor natural.”

Leonardo Da Vinci
Anotações de manuscritos

1 Estudos sobre o movimento da água
1508-09
Leonardo Da Vinci

* Podcast deste post foi gerado com o Notebook LM.

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